Vendido na seção de livros do hipermercado Extra, veio parar na minha mão a antologia de contos Safra Macabra, contos de detetive escritos por Patrícia Galvão (Pagu), também conhecida como King Shelter. Mas para entender melhor isso, é preciso ver um pouco a história por trás de tudo.
Em 1998, a editora José Olympio reuniu nove contos de King Shelter, o pseudônimo com o qual assinava seus escritos a autora Patrícia Galvão. Patrícia, que também tinha o pseudônimo de Pagu, foi autora, diretora de teatro, jornalista, tradutora, desenhista e militante. Nascida em 1920, em São João da Boa Vista, São Paulo.
Ela era uma mulher com comportamentos que não se esperavam das mulheres naquela época, como usar blusas transparentes e falar palavrões.
Aos 18 anos ela conheceu ninguém mais ninguém menos do que o casal Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, e logo ela mesma vira uma musa do movimento antropofágico. Nessa época que também recebe seu apelido Pagu, do poema Coco de Pagu, composto por Raul Bopp, que achava que o nome dela fosse Patrícia Goulart.
Algum tempo depois, Oswald se separou de Tarsila e se casou com Pagu, com quem teve um filho.
Pagu e Oswald eram do Partido Comunista e em 1931 ela foi presa pela Polícia Política de Getúlio Vargas. Ela seria presa diversas vezes ao longo da vida, sendo inclusive torturada pela ditadura Vargas. Em 1940, já separada de Oswald de Andrade, ela se casou com o escritor e jornalista Geraldo Ferraz, com quem teve um filho.
Pagu morreu em 1962, vítima de um câncer. Ela foi uma mulher muito a frente de seu tempo e uma grande incentivadora e apoiadora das artes, sendo ela própria uma artista em diferentes campos. Mas vamos focar na literatura, mais especificamente nesses contos:
Pagu publicou dois romances: Parque Industrial, que o Nexo fez um texto muito interessante sobre ele, e A Famosa Revista. Sob o pseudônimo de King Shelter, ela escreveu contos policiais para a revista Detective, uma revista de pulp-fiction aqui no Brasil que nos anos 1940 passou a ser comandada pelo grande Nelson Rodrigues.
“Havia muita coisa vagabunda, bem “pulp’, mas muitas vezes no meio da porcaria se encontrava uma pérola, como um novo conto de Hammett ou alguma reedição de Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes)”, quem disse isso foi Geraldo Ferraz, segundo esposo de Pagu.
Patrícia Galvão, ou melhor, King Shelter, teve seu primeiro conto publicado nas ultimas páginas da edição 196 da revista, mas logo estava nas primeiras páginas, tamanha era a graça da escrita entre os leitores.
Ok, mas afinal, e os contos? Eles são bons?
Olha, eu achei os contos interessantes, alguns destacáveis, outros nem tanto. E todos eles têm um padrão, que é o padrão das histórias curtas de pulp-fiction com ação, mistério, personagens interesseiros, detetives durões ou simples homens que querem fazer seu trabalho, mulheres perspicazes, além de elementos de sobrenatural, exoterismo e, por que não, ficção científica, aqui ou ali entre os nove contos reunidos.
A leitura desses contos se faz muito interessante pelos seguintes fatores:
1 – Eles são bons.
2 – Nos mostram uma leitura de tempos mais velhos e nos ajuda a entender o gosto popular dos anos 40. Ou uma parte dele.
3 – É uma parte pouco conhecida da grande Patrícia Galvão, que mostra como ela conseguia mudar seu estilo e tinha talento para esse tipo de escrita, embora alguns considerem que os contos foram escritos por necessidades financeiras, até pelo fato deles terem sido escritos bem rápidos, tendo às vezes dois publicados em um único mês.
É uma leitura fascinante e, se você não quiser levar em consideração tudo o que eu falei sobre a autora e o contexto no qual esses contos foram escritos, ainda assim é uma boa antologia para se ler.
Colunista: Walter Niyama é formado em Jornalismo pela ESPM-SP e já trabalhou no Diário do Centro do Mundo. Atualmente toca o site Converge Jornalismo e possui três romances publicados: O Mistério dos Suicidas; Guardiões de Sonhos – As Portas dos Pesadelos; e Anos Atrás – Uma História de Santiago Valentim.